Por: Robson Dias Martins – Mestre em Biblioteconomia pela UNIRIO, bibliotecário da UERJ e membro da REDARTE/RJ

 

Você, bibliotecário, o que faria se um usuário pegasse os livros da biblioteca colocasse um sobre o outro, formando uma pilha, e depois utilizasse essa pilha para sentar, ou seja, fizesse um banquinho com os livros?

As bibliotecárias mais clássicas e conservadoras poderiam até sofrer uma taquicardia. Os modernos profissionais da informação, com seus discursos tecnológicos, fariam uma censura blasé, se compadeceriam com os amantes dos livros impressos, e reprimiriam o usuário. Os profissionais mais enfurecidos xingariam, gritariam, tachariam aos setes cantos o absurdo cometido na unidade de informação. E o que diria a bibliotecária mal-humorada, famosa personagem do facebook, que possui humor particular e ácido? Ela costuma expor e representar pensamentos inimagináveis para a classe biblioteconômica até pouco tempo. Ela que concebe frases que costumam permear os pensamentos mais insólitos dos bibliotecários, que não o fazem devido à ética profissional. Provavelmente, ela falaria algo como: “Levante essa bunda desses livros!”, ou “Não tem vergonha em sentar nos livros?”, ou ainda “Sai daqui agora!”.  Enfim, seja qual for a expressão, pensamento ou comportamento dos bibliotecários, compreendemos que haveria uma reprimenda geral da classe.

E o porquê dessa catarse e devaneio inicial desse autor? Tudo teve início com o livreto das atividades do mês de maio de 2016 do Centro Cultural do Banco do Brasil do Rio de Janeiro. Eu, enquanto bibliotecário moderno distante do protótipo dos antigos profissionais da informação, me senti extremamente incomodado com a imagem da exposição da artista Ana Hupe, vencedora do prêmio de melhor exposição contemporânea 2015-2016.

A instalação faz parte da exposição intitulada “Leituras para mover o centro” que cria instalações experimentais de leitura com o intuito de excitar exercícios de descolonização a partir da literatura feminina negra. Dentre as obras da renomada artista percebemos bibliotecas nômades que podem ser carregadas como mochilas e cadeiras modificadas para leitura. Verificamos livros espalhados por variados ambientes, inclusive nos chãos, dentre outras instalações. Contudo, a visão da moça sentada sobre os livros insiste em me instigar.

Seria uma representação do sentar sobre o conhecimento humano? Reter as informações? Constituiria novas formas de utilização do livro? O multiuso do livro impresso? Enfim, a obra faz parte de uma exposição contemporânea que aborda temas diversificados sobre leitura e bibliotecas. Nesse sentido, a instalação pode representar mensagens subliminares sobre os bibliotecários. Afinal, os primeiros profissionais da informação sentavam (metaforicamente) sobre o conhecimento, ou seja, armazenavam, organizavam, preservavam as informações para poucos. Nesse contexto, será que a instalação não seria uma crítica, aberta ou velada, para os profissionais que deveriam disseminar informações e colaborar para disseminação do conhecimento e, por conseguinte, contribuírem para o avanço da sociedade?

Por fim, vem o pensamento sobre a contemporaneidade humana. Vivemos em uma sociedade da informação que possui valor agregado e de mercado. Uma sociedade globalizada e dinamizada. Todavia, será que alguns bibliotecários ainda refletem o pensamento arcaico da profissão e sentam sobre os livros? Será que ainda hoje alguns profissionais colaboram para dificultar a disseminação da informação? Essa questão vale a reflexão e seria uma tragédia perceber que ainda hajam profissionais com esse perfil. Por falar em perfil profissional, iremos abordar esse assunto na próxima semana. Por enquanto, reflitam sobre a bunda em cima dos livros! E se incomodem como me incomodei!

Publicado em: 07.06.2016
Imagens : Site do CCBB